Paróquia Nossa Senhora Aparecida
Literatura e Espiritualidade
 
15.Set - Silenciar é preciso
Silenciar é preciso

 


Mia Couto, escritor moçambicano, apresenta em seu livro Antes de nascer o mundo, um personagem que se intitula o afinador de silêncios. O narrador explica: 


“ ... Uns nasceram para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para serem outros. Eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silêncio. E todo o silêncio é música em estado de gravidez. Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhando, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios.” 




Gosto do silêncio.


Meu pai era silencioso.


Minha mãe era silenciosa.


Tento seguir assim. 


Muitas vezes desperto em plena madrugada. No exato momento em que tudo parece ser silêncio.


Estico ainda mais os ouvidos na tentativa de acolher também o silêncio de longe.


Esse momento, no qual não consigo medir o tempo, me lembra a frase de Guimarães Rosa, “Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo. ”


Penso então, muito de leve e devagar, na parte da terra (que é redonda), que está adormecida. Tudo parece parado, suspenso. Mas é ali que cada milagre está sendo alimentado para o dia que vai nascer.


“E o silêncio, com sua vocação de fermento, engordava toda sorte de devaneio” diz Carla Madeira, no livro Tudo é rio.


Para mim, silêncio é mansidão e lucidez.


Me surpreendo também suspensa, percebo a respiração profunda.


É a hora em que aproveito para sorrir para Deus.


Ele é.


Ele está.


E sabe de mim.


Pequeninha que sou, aproveito para adormecer na suavidade do seu colo. Não há nada mais perfeito.


Ao amanhecer, vejo que todo milagre está disponível. 


É a vida.


Nela observo a grande maravilha de sermos tão diferentes. Nossos passos estão espalhados por caminhos diversos. Os sonhos são próprios de cada um, o aprendizado também.


Por isso precisamos tanto uns dos outros.


Em tempos de tanta correria, informação e barulho, eu tanto gostaria de ser como Mwanito, o personagem da história do começo deste texto. Gostaria de ser um afinador de silêncios, “aquele que de corpo e alma tece delicados fios com que se fabrica a quietude.”


Quietude que nosso mundo talvez esteja precisando.




Marcília Cristina Machado Ferreira Soares


Servidora pública, eterna aprendiz.


 


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