Paróquia Nossa Senhora Aparecida
Literatura e Espiritualidade
 
18.Mai - Lua Adversa
Lua Adversa
 LUA ADVERSA      

 CECÍLIA MEIRELES

 

         Na adolescência vivi períodos de fases assim como a lua, tinha dia que estava eufórica e dia em que o sentimento de solidão invadia meu peito me deixando sem vontade de conversar, outros dias gostava de ficar entre as pessoas só para ouvi-las. Tudo normal.  

         Até que encontrei um poema que cabia certinho no meu jeito de ser, tão natural que senti que foi feito para mim. A poetisa Cecília Meireles também tinha fases/ estados de espírito como eu, inconstante sem ser bipolar.  

Esse poema foi publicado originalmente em 1942, no livro Vaga música de Cecília Meireles.

Lua Adversa

Tenho fases, como a lua.

Fases de andar escondida,

fases de vir para a rua...

Perdição da minha vida!

Perdição da vida minha!

Tenho fases de ser tua,

tenho outras de ser sozinha.



Fases que vão e vêm,

no secreto calendário

que um astrólogo arbitrário

inventou para meu uso.



E roda a melancolia

seu interminável fuso!



Não me encontro com ninguém

(tenho fases como a lua...)

No dia de alguém ser meu

não é dia de eu ser sua...

E, quando chega esse dia,

o outro desapareceu...

Lua Adversa



Cecília Meireles , Poesia completa: Volume 2. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001.

Nesses tempos de pandemia quando estamos necessitando  permanecer em distanciamento social o poema me veio à mente como um espinho no pé, quero sair mas não devo, preciso ficar em casa e tenho tantas coisas para realizar fora de casa e sem contar com a vontade imensa de passear, viajar, visitar meu pai, meus familiares e amigos distantes.  

        Entre essa melancolia de viver isolados, as perdas de tantas vidas e o desejo de abraçar, consolar, valorizar o outro, reviver lembranças está a responsabilidade de preservar vidas, valorizar o outro mantendo distância.  

       Cecília Benevides de Carvalho Meireles é considerada a primeira grande escritora da literatura brasileira e a principal voz feminina de nossa poesia moderna. No início de sua carreira literária, Cecília aproximou-se do grupo Festa, uma ala espiritualista do modernismo brasileiro. Por esse motivo, suas primeiras publicações costumam ser associadas ao Simbolismo, embora a escritora não tenha se filiado a nenhum movimento literário. O poema analisado retrata as incompletudes humanas comparadas às fases da lua.

        O eu lírico fica recluso assim como a lua em sua fase minguante e depois aparece totalmente como a lua cheia. Portanto, diante do poema far-se-á a arte do desencontro entre o estar só e o querer estar junto, é a ilusão de que o amor é uma forma de estar sozinho com o outro. Esse desencontro gera tristeza, por não conseguir ser inteiramente de alguém mesmo nas fases que se “vem para rua”, a pessoa não encontra mais quem ela deixou para trás na sua fase de estar sozinha. O poema “Lua Adversa” de Cecília Meireles é modernista e portanto apresenta versos livres, liberdade na escolha de palavras, síntese na linguagem, parágrafos curtos e busca da linguagem brasileira.


Sebastiana Ana De Santana

Professora de História.

Indique a um amigo
 

Copyright © 2024 Paróquia Nossa Senhora Aparecida. Todos os direitos reservados.