LUA ADVERSA
CECÍLIA MEIRELES
Na adolescência vivi períodos de fases assim como a lua, tinha dia que estava eufórica e dia em que o sentimento de solidão invadia meu peito me deixando sem vontade de conversar, outros dias gostava de ficar entre as pessoas só para ouvi-las. Tudo normal.
Até que encontrei um poema que cabia certinho no meu jeito de ser, tão natural que senti que foi feito para mim. A poetisa Cecília Meireles também tinha fases/ estados de espírito como eu, inconstante sem ser bipolar.
Esse poema foi publicado originalmente em 1942, no livro Vaga música de Cecília Meireles.
Lua Adversa
Tenho fases, como a lua.
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.
Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...
Lua Adversa
Cecília Meireles , Poesia completa: Volume 2. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001.
Nesses tempos de pandemia quando estamos necessitando permanecer em distanciamento social o poema me veio à mente como um espinho no pé, quero sair mas não devo, preciso ficar em casa e tenho tantas coisas para realizar fora de casa e sem contar com a vontade imensa de passear, viajar, visitar meu pai, meus familiares e amigos distantes.
Entre essa melancolia de viver isolados, as perdas de tantas vidas e o desejo de abraçar, consolar, valorizar o outro, reviver lembranças está a responsabilidade de preservar vidas, valorizar o outro mantendo distância.
Cecília Benevides de Carvalho Meireles é considerada a primeira grande escritora da literatura brasileira e a principal voz feminina de nossa poesia moderna. No início de sua carreira literária, Cecília aproximou-se do grupo Festa, uma ala espiritualista do modernismo brasileiro. Por esse motivo, suas primeiras publicações costumam ser associadas ao Simbolismo, embora a escritora não tenha se filiado a nenhum movimento literário. O poema analisado retrata as incompletudes humanas comparadas às fases da lua.
O eu lírico fica recluso assim como a lua em sua fase minguante e depois aparece totalmente como a lua cheia. Portanto, diante do poema far-se-á a arte do desencontro entre o estar só e o querer estar junto, é a ilusão de que o amor é uma forma de estar sozinho com o outro. Esse desencontro gera tristeza, por não conseguir ser inteiramente de alguém mesmo nas fases que se “vem para rua”, a pessoa não encontra mais quem ela deixou para trás na sua fase de estar sozinha. O poema “Lua Adversa” de Cecília Meireles é modernista e portanto apresenta versos livres, liberdade na escolha de palavras, síntese na linguagem, parágrafos curtos e busca da linguagem brasileira.
Sebastiana Ana De Santana
Professora de História.