Paróquia Nossa Senhora Aparecida
Literatura e Espiritualidade
 
04.Mai - Inquietudes
Inquietudes

 


 


Ninguém nos avisa que a vida é redemoinho, círculo, cegueira e não apenas brisa, reta, horizonte. A vida também é curva, abismo, tempestade. O cotidiano e seus desafios me fizeram perceber bem cedo o “Doce Fardo” das vivências. Fé, Literatura e Música (carrego a mania das letras maiúsculas no meio das frases), nortearam essas descobertas constantes sobre a existência. Uma das leituras que me persuadiram a perceber aquilo que, de fato, é a vida, se deu no encontro com a obra de Guimarães Rosa em seu livro “Grande Sertão: Veredas”. A narrativa é erigida com o jeito sertanejo e suas peculiaridades. O narrador conta a história a um interlocutor incógnito e silencioso, a quem se refere por "Senhor", "Moço" ou "Doutor".


Em sua narrativa, intérprete dos segredos das veredas, o personagem Riobaldo tece a história de sua vida – uma homilia de descoberta e autoconhecimento, pois ao revelar o sertão-mundo, revela-se a si próprio. Nessa travessia intensa e arriscada, Riobaldo confronta as forças do bem e do mal, deixa fluir através da memória o fio de sua vida e narra as grandes lutas dos bandos de jagunços, descreve as características de diversos personagens e faz emergir os códigos de honra e conduta do sertão.


O romance não é fácil de ser lido, exige pesquisa, paciência e uma mente aberta aos neologismos constantes e maravilhosos. Foram, justamente, suas frases que me despertaram para um desafio travado por todos nós: viver. Guimarães assim disse: “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.


Sobretudo, nos últimos meses, nos foi cobrado um enfretamento diante da nova forma de encarar os dias... Sorrisos escondidos, abraços negados, fome, medo, hospitais lotados, despedidas sem o toque, sem o cuidado. Números alarmantes anunciando uma tragédia. Não apenas sobre vidas encerradas, mas o anúncio da ignorância humana diante de uma pandemia.  E muitos de nós vamos “embrulhando” os medos, as conquistas, as lutas, as tristezas, as alegrias, os encontros/reencontros, as despedidas em um mesmo pacote. Afinal, somos atropelados pela “Arte de Viver” e para muitos “Sobreviver”. Eu já ia me esquecendo: o que a vida quer de nós é coragem. Aristóteles (o filósofo grego) no século IV antes de Cristo, já entendia que a coragem verdadeira, não consistia em não temer nada, mas temer as coisas na medida certa. Diz o estagirita na Ética a Nicômaco: “Dos erros que cometemos, um consiste em temer o que não deveríamos, outro em temer como não deveríamos e outro ainda, quando não deveríamos”. Assim sendo, tudo bem ter medo. É humano. É normal. O problema é quando começamos a temer as coisas que nós podemos vencer e superar com nossas próprias forças, coisas que “não deveríamos” temer. Ou quando perdemos o respeito por forças maiores que a nossa, e começamos a tratar com leviandade perigos que podem nos destruir.


Guimarães diz ainda que “Sertão: é dentro da gente”. Pois é mesmo. Dentro de nós, uma luta constante é travada entre florescer e estar árido; entre prudência e imprudência. Duas virtudes não podem se contradizer, dizia Santo Tomás de Aquino, logo a pessoa verdadeiramente corajosa não é alguém que teme a todo sinal de aridez, e também não é aquela que ignora os riscos de atravessar um deserto. A prudência é amiga da virtude, pois o ser humano corajoso enfrenta os riscos na medida certa, sabendo o que enfrenta, quando enfrenta e como enfrenta. É necessário estratégia para vencer os sertões da vida.




 Mônica Pimentel 


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